Gestão para Cartório: Como foi a visita que fiz em um Cartório no Japão
Compartilhei essa experiência com alguns amigos Titulares e eles disseram: Thais, é importante você compartilhar esse tipo de vivência com outros colegas. Isso é muito interesse!
Por eles, vou descrever minha experiência ao visitar um Cartório na cidade de Toyohashi no Japão, em março de 2019.
Primeiro tentei pesquisar sobre o cartório no google. Pelo idioma, tive muita dificuldade de encontrar qualquer coisa sobre isso. Em Toyohashi, a prefeitura possui um serviço de intérpretes para brasileiros. Foi lá meu ponto de partida!
Descobri lá, que a prefeitura é responsável por todas as atividades derivadas ao Registro Civil. O prédio é bem grande, muito bem preservado, estruturado e contém intérpretes em português para a utilização dos serviços públicos como pode ver acima.
No Japão, a hierarquia é seguida a risca e ninguém faz nada sem pedir autorização. É bem burocrática essa parte. A interprete pediu autorização e liberação da sua área para me acompanhar até a área do registro civil, para que eu pudesse fazer algumas perguntas e conhecer um pouco mais sobre a atividade.
Fui recepcionada pelos chefes do departamento, muito atenciosos e disponíveis para responder minhas perguntas. Me acolheram em uma sala de reunião, responderam meus questionamentos e até mesmo me entregaram modelos dos formulários que eles utilizam em seu processo.
A prefeitura tem passado por um processo de atendimento de qualidade nos últimos anos. Não é um programa, mas uma rotina de treinamentos durante o ano como atender telefone, atender estrangeiros, atendimento no balcão que faz realmente a diferença na prática.
Lá, me informaram que todo o Registro Civil é realizado pelas prefeituras conforme cada província e que recebem verba para operar a estrutura geral. Todos são funcionários públicos e alguns casos, podem contratar CLT. Os registros são gratuitos e alguns podem ser entregues em horas e outros como casamento, pode levar até uma semana para registro. Mas não existe prazo definido. É tudo sob demanda e seguem o protocolo de atendimento. Também é cadastrado as assinaturas de reconhecimento na prefeitura pelo Inkan, para realizar transações comerciais pelos cidadãos, para realizar posteriormente o reconhecimento de firmas e autenticações diretamente pela Receita Federal.
O Inkan não é um simples carimbo, pois está presente no cotidiano, desde receber cartas registradas, alugar um imóvel, abrir conta bancária, assinar um contrato de trabalho, solicitar um financiamento ou cartão de crédito, comprar um carro ou imóvel, entrar na escola ou faculdade, ser avalista, receber prêmio de seguradora ou herança, registrar nascimento de filho, casamento, divórcio. Todo documento oficial ou não, que utiliza uma assinatura no Ocidente, no Japão utilizará o carimbo pessoal, inkan. PS: Achei um site que possibilita criar uma imagem com os caracteres do nosso sobrenome. Se quiser brincar um pouco, basta acessar esse site.
Registro de imóveis e Registro de Títulos e Documentos é operado diretamente pelo Ministério da Justiça. O Cartório em si, pelo que entendi, opera as atividades do Tabelionato de Notas e algumas atividades de apoio ao Ministério da Justiça nos demais serviços.
Por causa do idioma, foi bem difícil conseguir essas simples informações. Agradeci e me despedi dos responsáveis que se disponibilizaram neste tempo para me dar toda a atenção possível. Me deixaram o contato do cartório da cidade, que era bem próximo ali, uns cinco quarteirões.
Na foto acima, esse é o balcão de atendimento do Registro Civil e outros tipo de documentos que são emitidos pela prefeitura como o RG do país. Poucas filas, rápido atendimento, bem sinalizado, balcão ilha de apoio a coleta de documentos, cartilhas explicativas dos serviços oferecidos, caixa bancário e outras conveniências para brasileiros que ali residem.
Ao visitar o Cartório da cidade, a estrutura é bem simples, bem pequena e conta com apenas 4 funcionários para atendimento. Fui com um intérprete e chegando lá fui surpreendida que deveria ser agendado horário para atendimento e não só isso, pegar a devida autorização da Anoreg inclusive das perguntas que o Titular deveria me responder, já que eu não era cidadã japonesa e qualquer informação mesmo que pública, deveria ser aprovada pela Anoreg.
O Titular ficou muito bravo com a minha presença. Eu não sei nada de japonês, mas a leitura corporal que fiz dele, parecia que queria chamar a polícia por eu ter descumprido uma regra do atendimento. Descumprir regras no Japão é ofensa, que pode gerar danos morais. Ser deportada seria talvez uma das decisões judiciais para um ato tão inocente que tinha feito neste dia. O titular sem menor paciência, já foi nos empurrando para fora do cartório.
Eu entrei em contato com a Anoreg em Tokyo por email, mas sem retorno. Os japoneses tem sua cultura própria, seguem padrões, respeitam hierarquias. Pode ser que o primeiro impacto seja negativo para quem não conheça a fundo sua filosofia, mas se entender todo o contexto cultural de padrões, processos e hierarquia que tanto se fala nos livros de Gestão de Qualidade, tenho a afirmar que eles cumprem devidamente o que é estabelecido para ser feito e da forma que deve ser feita, independente de quem quer que seja.
O Japão tem sua “marca registrada” de Qualidade devido aos padrões estabelecidos no Gerenciamento de Rotina. Um padrão quando adotado para ser modificado ele deve ser “testado e devidamente aprovado” que fornecerá resultados melhores do que o atual e esse caminho de testes e aprovações, seguem novas regras para aprovar o novo padrão.
Parece redundante, mas eles adotam processos para tudo e seguem a risca o que pode tornar talvez uma simples mudança e adaptação, como morosa e burocrática. Contudo a garantia da qualidade ou do zero defeito pode ser quase sempre atendida. Todas as variáveis são estudadas e testadas, organizadas e gerenciadas através da formalização dos processos, rotinas e tarefas estabelecidas para que haja o melhor resultado possível. Tudo o que se inicia, é finalizado dentro dos padrões. E não só isso, as pessoas são tão bem treinadas e educadas, que vivem esse padrão.
Claro que as estruturas dos padrões possuem melhores percepções nas atividades de produtos do que nas atividades de serviços. As fábricas possuem a tecnologia a seu favor, para eliminar qualquer tipo erro humano. Os processos principais de fabricação são conduzidos por robótica e apenas na estrutura de verificação e finalização dos processos que possuem operadores humanos. São rigorosos com metas e estabelecem metas tanto para a equipe quanto individuais. São rigorosos com a segurança no trabalho. Toda a gestão dos resultados é colocada em painel para acesso de todos os colaboradores através de indicadores. Técnicas de Kanban, Just in Time e Kaizen são as ferramentas padrões mais utilizadas. Como eu sei sobre isso? Minha prima e seu marido trabalham em fábricas e acompanhei na semana a rotina deles também quando estive por lá.
A minha experiência no Japão foi bem rápida e o pouco que tive contato com a cultura, levam tudo muito a sério, tornando algumas coisas inflexíveis e burocráticas. Inclusive sobre o idioma, é mito pensar que eles sabem inglês, pois não sabem! Talvez pelo fato histórico da 2ª Guerra Mundial. A dificuldade de comunicação aqui é muito grande, o que faz perceber que estão fechados para algumas ações de globalização, já que eu estava no interior e em uma cidade considerada grande e desenvolvida na província de Aichi. Eu senti que eles não gostam de turista também, aquela máxima que “visita incomoda as vezes o dono da casa, mudando toda a sua rotina”. O que me fez pensar assim foi quando precisei acionar o seguro para utilizar o sistema de saúde deles.
Quando acionei o seguro, levaram mais de 5h para me dar um retorno de hospital que poderia me atender e pior, apenas em japonês. O hospital só atende das 8h ás 11h e o seguro não disponibilizava interpretes. Ainda assim, por saberem apenas japonês não conseguia ir ao hospital pois não conseguia chamar taxi. Lá não existe Uber ou apps para taxis.
Desisti de ir ao hospital. As chances de não me compreenderem e me medicarem errado era grande. Foquei em ações de medicina caseira, chá de gengibre, muita água e limpeza das vias nasais com água e sal, já que eu estava com a sinusite e rinite atacada. Nome popular: funcosho, devido a florada dos Sakuras, a polinização é bem forte por aqui e os turistas sofrem!
É uma experiência bem diferente. É um país fortemente ligado a sua cultura, diferenciado por isso. Uma experiência única. Por conta de tantos desatres naturais e histórias de calamidades, incluindo vulcões, tufões, inundações, terremotos e tsunamis, o Japão já aprendeu até demais da conta sobre a arte da reconstrução após a destruição. Nem me lembre da Segunda Guerra Mundial que deixou consequências terríveis, incluindo as duas bombas atômicas.
O Japão sempre consegue se recuperar e ficar ainda mais forte independente de sua crise ou obstáculo. Isso é consequência da sua cultura que valorizam o coletivo e trabalham duro em pró de todos e não só de um. Dizem que só quando um país vive uma crise que se pode conhecer o verdadeiro caráter do seu povo e o Japão já teve a chance de mostrar isso diversas vezes.
Isso porque, em um país sem crises é muito fácil dizer que o povo é paciente, compreensivo ou cooperativo. Mas é só uma crise ou tragédia acontecer para sentirmos na pele a dimensão exata que algumas palavras têm, como bondade, compaixão e solidariedade, palavras que muitas vezes enchemos a boca para dizer, mas que na verdade não sabemos seu verdadeiro valor e nem sua real proporção.
O pragmatismo, a persistência e o foco em atingir aquilo que é preciso, faz com que o cidadão japonês pareça frio, mas eles só estão focados naquilo que é preciso, no agora, com o mínimo de esforço preciso, seguindo o que deve ser seguido, para manter a paz e a ordem local, seja ela interna (dentro de cada um) ou externa (o que se pode ver com os olhos ao seu redor). E claro, a disciplina é inspiradora!